
a cadeira nº 30 da APL – Academia Pindamonhangabense de Letra
Apesar do nome, Deocleidiana era moça de beleza desmesurada: 18 anos de cabelos anoitecidos e olhos cor de âmbar; lábios meigos, sorrisos ingênuos; gestos santificados.
Morava com os pais num sítiozinho onde criavam porcos e galinhas. Apesar da distância diminuta, jamais fora ao centro da cidade, pois cuidar dos animais tomava-lhe muito tempo.
Seu único amigo era o mini porco Garnisé. O nome era razoável, considerando que o suíno gostava de correr atrás de galinhas dessa espécie.
Tia Quitéria andava preocupada com a sobrinha que, de tanto conviver com o porquinho, começava a falar em “porcunhês”.
— Essa menina não pode mais viver assim. Onde já se viu ter um porquinho que não desgruda dela!? Ela precisa conhecer gente… Precisa namorar, estudar e trabalhar fora.
Todos os argumentos eram rechaçados por Chico Xucro, seu irmão, pai de Deocleidiana. Mas tia Quitéria não desistiu.
— Inscrevi Deocleidiana num concurso de beleza.
Chico Xucro, conservador inquebrável, pegou facão para afiar.
— Filha minha não foi feita para sem-vergonhices!
— Olhar não tira pedaço! Pense bem: você prefere que eu conte a todo mundo os seus segredos pecaminosos ou que ela desfile?
Ele cedeu, desde que a filha não desfilasse de biquininho. Quitéria não garantiu e, a partir daquele dia, passou a dar aulas de comportamento e etiqueta à sobrinha.
— Tia, “oinc!” como sabe “oinc!” tantas coisas “oinc!” da passarela?
— Pelo amor de Deus, Deocleidiana! Pare de falar “oinc!”. Miss não fala “oinc!”. Entendeu? Agora vou contar porque sei de cada detalhe de um concurso de beleza. Eu já desfilei e ganhei o concurso; mas, meu pai me castigou, me trancando no quarto por meses.
— Credo, tia. Será que papai vai me trancar no quarto também?
— Não vai. Ele não é louco.
O desfile aconteceu no único clube da cidade. Ficou lotado. O pai de Deocleidiana foi espiar, disfarçado, segurando uma sacola de juta. Viu a filha desfilar com vestido de gala. Teve vontade de aplaudir. Viu a filha desfilar de biquíni. “Pouca vergonha” – pensou.
Por fim, cinco candidatas foram selecionadas; entre elas, Deocleidiana. Enquanto o júri as interrogava, Chico Xucro se aproximou, colocou a sacola no palco e saiu de fininho. Dentro estava Garnisé. O porquinho escapou e correu desnorteado. As candidatas pularam do palco, saíram do clube e até hoje ninguém sabe onde estão. Sem concorrentes, Deocleidiana foi eleita.
Dias depois, tia Quitéria apareceu no sítio.
— Fiquei sabendo que os jurados receberam um “agradinho” para não elegerem Deocleidiana. E eu sei quem fez isso. Foi a mesma pessoa que soltou o Garnisé no palco. Não foi, Chico Xuc?