Numa cidadezinha interiorana, de tanto a mulher ameaçá-lo, Zé Cardaço decidiu ir se confessar. Acordou de madrugada, selou o burrinho e partiu. A igrejinha ficava a seis horas de onde ele morava. Com chapelão na cabeça, cavalgou pelo estradão esburacado, só parando para desaguar atrás da moita e pitar. Durante as pausas, pensou em voltar, mas a mulher havia prometido que ele não entraria em casa se não contasse os pecados ao padre.
— Para com essa bobagem, mulher! Padre não é Deus. Padre é homem igual a eu. Só usa vestido preto.
— Não é vestido. É batina, ignorante.
— Calma aí, mulher. Abaixa essa mão de pilão senão você vai acabar machucando eu.
— Abaixo só se você prometer desembuchar suas malvadezas pro padre, pra ele perdoar você. Se você for lá e não contar, eu vou ficar sabendo.
— Tá bom. Eu juro que vou lá.
Com a promessa martelando na cabeça, ele chegou ao destino por volta das onze horas. Apeou, amarrou o burrinho numa pitangueira e viu o homem abrindo a porta da igrejinha. Apressou-se.
— Bom dia. O senhor é o padre?
— Dia. Sou não. Sou o sacristão. Quer falar com o padre?
— Quero confessar.
— Pode entrar. Se ajoelha lá no confessionário e espera um pouco.
Ele se ajoelhou. O padre não demorou.
— Quais são seus pecados, meu filho?
— Minha mulher falou que eu catei os ovos da galinha do vizinho.
— Catou?
— Catei não. Também falou que eu coloquei veneno na sopa da mãe dela.
— Colocou? Morreu?
— Coloquei não. Morreu não… E que eu beijei a irmã dela na boca.
— Beijou?
— Beijei não… E que eu roubei dinheiro do pai dela.
— Roubou?
— Roubei não.
— Que mais?
— Que me lembre, só isso.
— Bom, se você não fez nada disso, por que veio confessar?
— Minha mulher falou que se eu não viesse, eu nem precisava voltar pra casa.
— Entendi. Então pode voltar sossegadinho. Quando ela vier à missa, pede pra ela me procurar que eu falo pra ela que você confessou. Qual é mesmo o nome dela?
— Fofucha.
— Fofucha? Esse é o nome dela?
— Apelido. É o apelido dela. E eu sou Zé Cardaço.
O padre o acompanhou até a porta. Despediram-se. Sobre o burrinho, Zé Cardaço gritou:
— Ah, seu padre. Tem uma coisinha que eu esqueci de contar.
— Fale, meu filho.
— Ela também falou que eu sou mentiroso.
— E é?