
A velha estrábica do apartamento 382, o brutamonte do 386, o narigudo do 383, a meio-surdinha do 385, o professor do 384 e a síndica estavam reunidos à mesa. A assembleia geral extraordinária tratava da perturbação ocorrida na penúltima madrugada.
A síndica piscou para o brutamonte e concedeu a palavra a ele.
— O cachorrinho latiu por horas. Depois ficou arranhando a porta. Não consegui dormir. Essa situação não pode se repetir. Se não calarem esse bicho, não responderei por mim.
— Não se exalte. Vamos resolver em paz. O senhor sabe nos dizer de qual apartamento é o cachorrinho? – inquiriu a síndica.
— Sei sim. É o monstrinho do 384.
O professor, surpreso, questionou:
— Baseado em quê o nobre vizinho faz essa acusação?
— Eu ouvi os latidos irritantes e incessantes. Quem mais ouviu?
A perturbação canina foi confirmada, inclusive, pela meio-surdinha. Incomodado, o professor se levantou e prosseguiu:
— Pois eu afirmo que o meu Totó não perturbou ninguém. Ele somente late quando há algum alvoroço. Exemplos: quando decidem gastar conversas à porta de meu apartamento ou quando, à porta também, imitam latidos para açulá-lo.
A síndica puxou os óculos para a ponta do nariz e desafiou:
— Professor, o senhor pode provar que os latidos não foram emitidos pelo seu cachorrinho?
— E alguém aqui pode provar que os latidos foram dele? Alguém gravou? Filmou? Eu não sou o único a possuir um amigo canino. E, além do mais, o ônus da prova é de quem acusa.
Bufando, o brutamonte se levantou.
— Não duvide da minha palavra, professorzinho medíocre.
— Sem provas, sua acusação não se sustenta.
Com os punhos fechados, o brutamonte contornou a mesa, indo na direção do professor. O narigudo se levantou para impedir a agressão. A síndica começou a rezar. A velha estrábica desmaiou. A meio-surdinha abriu a porta e foi embora no mesmo instante em que a mulher do brutamonte entrou e o flagrou ensaiando o soco.
— Calviciano! Já pra casa!
— Mas amor…
— Não vou falar duas vezes!
Ele foi embora com o rabo entre as pernas. Ela continuou:
— Quero que todos aqui saibam a verdade. Meu marido está acusando o cão do professor, porque o professor tem dado notas baixíssimas para o nosso filho. O professor está certíssimo. Poderia ser diferente se meu marido, em vez de ficar jogando videogame com o nosso filho, o incentivasse a estudar.
Em seguida, ela marchou para a porta e, antes de sair, revelou:
— Sobre os latidos, perguntem à síndica. Foi o cachorrinho dela. Em troca de desconto no condomínio, ela combinou com o meu marido essa mentira.