Bem-vindo ao Jornal Tribuna do Norte   Clique para ouvir áudio Bem-vindo ao Jornal Tribuna do Norte

Jornal Tribuna do Norte

Chineladas

Com cinco anos de idade, o menino era o bicho. Não um gatinho carinhoso, tampouco um cachorrinho fofo. Longe disso. O menino era um bicho indomesticável, imprevisível e inconsequente. Não havia quem lhe pusesse rédeas.

Toda vez que o pai saía para trabalhar no campo, o malandrinho se esgueirava pelos cômodos da casa e aprontava. Certa vez, escondeu uma surpresa na gaveta de roupas da irmã. A menina se apavorou.

— Mããããããnhêêêêêêêêê!!! Ô, mãããñhêêê!!! Corre aqui!!!

Devido à estridência, a ocorrência devia ser grave. Por isso, a mãe entrou como um foguete no quarto. A filha estava debaixo da cama.

— Pra que esse berreiro, menina? Cadê você?

— Aqui embaixo, mãe.

A mulher se ajoelhou e viu a filha encolhida e trêmula.

— Saía já daí, menina. Até parece que viu um fantasma!

— Pior que fantasma, mãe. Vá ver dentro da gaveta aberta.

A mulher foi e olhou.

— Só vejo camisetas.

— Debaixo das camisetas, mãe. Debaixo.

Utilizando o indicador e o polegar como pinça, a mulher começou a suspender as peças de roupa, até ouvir “Croac-croac!”. Assim que viu dois olhos graúdos e uma língua comprida, ela deu um salto para trás.

O menino, escondido atrás da porta, contorcia-se em gargalhadas. A mãe caminhou até ele, segurou-o pelo braço e o chinelou repetidas vezes. Ele sentiu que ela estava mais impiedosa.

— Isso é pra você nunca mais colocar a dentadura de seu avô na privada, nem a cueca do seu pai no caldeirão de feijão, muito menos um sapo na gaveta de roupas da sua irmã. Fico imaginando o que você faria se a porta do meu quarto não vivesse trancada… Vai ficar de castigo!

Ele engoliu o choro e saiu resmungando vingança.

Quando a noite chegou, esperou a mãe dormir, pegou os chinelos dela, levou-os ao quintal e os queimou. No dia seguinte, depois que o pai saiu para trabalhar, a mãe, vendo os restos dos chinelos ao lado da cama, berrou:

— TITICO, VENHA AQUI AGORA!

Ele apareceu.

— Meu filho, você precisa virar gente. Não quero mais surrar você.

Ele olhou os chinelos queimados, empinou o nariz e desafiou:

— A senhora não pode mais me bater.

Inflada pela afronta, ela o arrastou pelas orelhas até o guarda-roupa, introduziu uma chave numa das portas e abriu.

— Você já conhecia a minha coleção de chinelos?

Proseando

Maurício Cavalheiro
Maurício Cavalheiro
Maurício Cavalheiro é um escritor e trovador brasileiro, natural de Pindamonhangaba, São Paulo. Ele é conhecido por suas obras na forma de trova e também por sua coluna "Proseando" no jornal Tribuna do Norte. Além disso, é membro da Academia Pindamonhangabense de Letras, da União Brasileira de Trovadores (UBT) e da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO).
loader-image
Pindamonhangaba, BR
17:52, pm, setembro 6, 2025
21°C
céu limpo
68 %
Wind Gust: 10 Km/h
Clouds: 3%
Sunrise: 06:38
Sunset: 17:38

Notícias relacionadas

Tribuninha N° 102

Tribuninha N° 102

5 de setembro de 2025
Edital 10330

Edital 10330

5 de setembro de 2025

Categorias

Redes Sociais

Clique para ouvir áudio