O cinquentão, mais conhecido como pau-de-virar-tripa, tinha acuidade visual igual à de uma toupeira. Careca não assumido, vivia ajeitando a peruca que insistia em escorregar-lhe pela calva. Era um autêntico “feio que dói”. E, além disso tudo, virgem também de signo.
Apesar dos avessos estéticos, era honesto, educado, trabalhador, empático, e não tinha vícios de nenhuma natureza. Entretanto, embora regido pelos bons valores, faltava-lhe uma cara-metade. De uns tempos pra cá, a solidão ficou mais severa, e ele decidiu sair à noite para frequentar barzinhos; e foi num deles que tudo aconteceu.
Na primeira noite, ele se sentou à mesa no canto de luz escassa, pediu refrigerante e petisco. Discreto, espremeu os olhos e varreu o ambiente na esperança de eleger alguma possível namorada. Viu a imagem difusa da morena sorrindo, segurando garrafa de cerveja, olhando para ele. Imediatamente, a carência transformou seu coração em bateria de escola de samba. Pela primeira vez, estava apaixonado; mas não teve coragem de ir ao encontro dela.
Na noite seguinte, ele se acomodou à mesma mesa, com os mesmos pedidos ao garçom. E, como na noite anterior, viu a morena, no mesmo local, do mesmo jeitinho. Tentando controlar a efervescência, esboçou um biquinho para enviar beijos, mas a timidez o desautorizou. Horas depois, foi embora, frustrado. Não dormiu. Durante a madrugada, estudou métodos de abordagem. Decidiu por escrever um poema. Pediria ao garçom que o entregasse a ela. Somente na semana seguinte o poema (sofrível) ficou pronto.
“Você é linda, minha flor… Pudera!
Deus deu-lhe as faces de um primor sem fim
que eu quero tanto por fim nesta espera
desesperada de tê-la pra mim.
Tão meiga e pura… Seus olhinhos santos
são estrelinhas de invulgar fulgor
que emolduradas por seus mil encantos
me cativaram… Quero o seu amor!”
Na noite decisiva, ele caprichou: barbeou-se, banhou-se, perfumou-se; e vestiu a roupa sem cheiro de naftalina. Com o poema manuscrito no bolso, caminhou até o bar. Quando o garçom foi atendê-lo, pediu:
— Você poderia me fazer um favor?
— Se estiver à minha altura…
Ele tirou o poema do bolso. Suas mãos tremiam.
— Poderia entregar esse bilhetinho àquela mulher? – Discretamente esticou o indicador.
O garçom olhou e viu a mulher junto ao balcão.
— Para aquela loira?
— Loira? Que loira o quê!? Ela é morena. Aquela segurando a garrafa de cerveja.
O garçom tornou a olhar e, freando o riso, explicou:
— Meu senhor… Aquela morena é… um cartaz de propaganda de cerveja.