Na rua atropelo, balbúrdia de gente,
um louco assassino, revólver na mão,
sem ter consciência, sem ter coração,
matara dois homens, sem dó, friamente.
Cruel, cometera terrível pecado,
quem rouba a existência de um filho de Deus,
não pensa na vida, não pensa nos seus,
será para sempre um vil condenado.
Às penas eternas… castigo divino
por certo terá. Já muito tarde e em vão,
desata a chorar com pungente emoção,
o feroz homicida, terrível assassino.
Rodeiam-no o povo, letal, furibundo…
“Feroz criminoso! Mereces a morte!
Aqui estão dois mortos, terás igual sorte,
Impune não fica teu crime no mundo”!
Em todos os semblantes revolta se lia,
e em todas as pessoas eu vi que aumentava
a raiva incontida e o furor dilatava…
E o pobre homicida por certo seria,
Quem sabe, linchado, quem sabe atirado
Exangue no chão… Isto nunca redime!
Meu Deus! Eu sou leigo, não sei o que é crime!
Quem mata homicidas é sempre exaltado?!…
Naquele momento eu olhei com tristezor,
pra velha senhora que humilde chegou;
cabelos nevados que a vida nevou,
o rosto enrugado, de lívida cor.
Qual flor desbotada, qual flor sem perfume,
no ramo da vida tristonha enlanguece,
perdido seu viço, silente fenece…
Os olhos mortiços não tem mais o lume,
que há tempos tivera, porém vejo um brilho
surgir bruscamente no olhar vacilante
da velha senhora, pois vê cruciante,
no louco assassino, cotada, seu filho!
E aos olhos tão tristes que o tempo encovou,
em fontes de lágrimas, são convertidos,
e as faces rugadas dos anos vividos,
o pranto silente, cruel deslizou.
“Que horror! Oh! Meu filho! Manchaste o teu nome!
Manchaste também o bom nome dos teus!
Porque não perdoaste? Quem mata é só Deus!
E vós, meus senhores, que a raiva consome,
nos olhos vos leio maligno brilho…
Não vede? É meu filho, meu tudo, meu sangue!
Matai-me senhores! Também fico exangue!
Para vós, assassino, para mim ele é filho!…
Tribuna do Norte, 10/7/1944
(o autor, identificado no jornal pelo pseudônimo ‘XX’,
seria o poeta João Martins de Almeida)