A epidemia, acontecimento que causou sofrimento à população da Pindamonhangaba do início do século XX, também teve seus passos acompanhados e divulgados pelo jornal Tribuna do Norte. A enfermidade, conhecida como o “mal das bexigas” por causar o aparecimento de bolhas que resultavam em cicatrizes pelo corpo, além de causar febre alta, vômitos e dores generalizadas, e até a morte, já havia se manifestado no Rio de Janeiro (era a capital federal), São Paulo e em nossas cidades vizinhas quando também assolou Pindamonhangaba.
Em sua edição de 26/7/1908 a Tribuna do Norte assim alertou a população:
“Varíola
Está ameaçada a nossa cidade de ser invadida pela varíola que, como se sabe, está assolando a capital federal, e já se manifestou pelas cidades vizinhas, Ao que consta, em Taubaté, Tremembé e Lorena muitos casos têm aparecido, por enquanto sem gravidade, mas constituem séria ameaça à saúde pública. Entre nós, felizmente, não foi ainda registrado caso algum, e é de se esperar que o inimigo encontrará forte resistência d parte dos encarregados de proteger a população. Acreditamos que, se a varíola conseguir penetrar na cidade, será prontamente repelida e sem fazer vítimas. O mesmo que há cinco anos mais ou menos aconteceu, por ocasião em que fomos assaltados traiçoeiramente por esse inimigo, que fixou logo jugulado, graças as providências tomadas pela Câmara e à diligente do médico contratado para o tratamento dos variolosos, e para dar execução às medidas tendentes a circunscrever o mal.”
Na época, o prefeito de Pindamonhangaba era o médico Dr. Benjamin Pinheiro e, conforme aquela edição da Tribuna, já havia preparado e aparelhado um hospital de isolamento para recebimento dos infectados, “encontrando-se ali todos os recursos precisos para os enfermos mais exigentes. Assim, não há de ser por falta de tratamento e de conforto que alguém há de sofrer”. Lembrava o jornal da passagem daquela mesma doença pelo município em 1903, quando a cidade contava com apenas um médico e, apesar dessa deficiência, nada faltara aos enfermos sendo a epidemia logo extinta. Acreditando nos recursos na área de saúde que dispunha agora o município, acreditavam que a população não devia se atemorizar.
Oswaldo Cruz e a obrigatoriedade da vacinação
A vacina para isso já havia sido descoberta ainda no século XVIII, no ano de 1796, pelo médico inglês Dr. Edward Jenner, quando a humanidade não sabia nem mesmo a definição de vírus (Brasil Escola). No Brasil a obrigatoriedade da vacina se deu graças ao médico e cientista Dr. Oswaldo Cruz na epidemia anterior, na de 1904, quando este propôs ao Governo que encaminhasse projeto de lei ao Congresso Nacional ratificando a obrigatoriedade da vacina. Bendita iniciativa que acabou lhe rendendo muitos inimigos. Os contrários se posicionavam com rebeldia, resultando na “Revolta da Vacina” (Biblioteca Oswaldo Cruz).
No Rio de Janeiro, em vez do povo se unir para o combate à varíola, se uniu foi para o combate à obrigatoriedade da imunização. Foi criada até uma liga contra a vacina, a população foi às ruas protestar, houve momentos de depredação e violência física.
Jornal era pela vacina
A Tribuna, já no início do século XX pregava a importância da vacinação. Contrária aos que tentavam provar a ineficácia da vacina, na mesma matéria da edição de 26/7/1908, argumentava: “Até bem pouco tempo, muitas pessoas que se supunham vacinadas não o eram; e daí vinha contraírem a moléstia e depois duvidarem da eficácia da vacina como preservativo”.
Para o jornal, a causa daquela descrença era porque os descrentes haviam inoculado uma vacina falsa, “um produto que só servia para transmitir a sífilis e outras moléstia; e pelos estragos produzidos por essa falsa vacina reputavam-se perfeitamente vacinados. Presentemente não acontece isso; quem inocula da verdadeira vacina, fica realmente vacinado e preservado de contrair varíola”.
E continuava em sua linha favorável à vacinação: “Não há mais perigo de haver engano, supondo-se o indivíduo vacinado sem estar realmente; porque a linfa vacínica empregada atualmente é pura e verdadeira, e deve produzir os efeitos esperados. Não queira, pois, ninguém por em dúvida o resultado da vacinação, só por que algumas pessoas, em outros tempos, foram vacinadas e contraíram a moléstia. Podemos afirmar que essas pessoas se supuseram vacinadas, mas realmente não o estavam, e por isso foi que contraíram as bexigas”.
Convicto de sua posição, o jornal destacava: “Hoje em dia, e repetimos quem se vacina não contrai a varíola, e por isso disse muito bem o Dr. Oswaldo Cruz ‘Só tem bexigas quem quer ter’”.
A vacinação na cidade
O assunto prosseguia com a informação de que assim que o prefeito havia constatado casos de bexigas nas cidades vizinhas, tratara imediatamente de requisitar “tubos vacínicos” em quantidade suficiente para atender à população na vacinação e revacinação. Os tubos de vacinas recebidos pela prefeitura haviam sido distribuídos, conta a Tribuna, entre os médicos e farmacêuticos do município: “Assim prestam-se a vacinação diariamente os senhores: Dr. Claro Cesar, do meio-dia à 1 hora. Dr. Bello de Amorim. Dr. Ayres Bastos e farmacêuticos: Martins Chaves e José Basílio”.
A vacina também foi distribuída no Grupo Escolar Dr. Alfredo Pujol, nas escolas públicas e na cadeia. Era motivo de satisfação para o jornal o fato de que: “Felizmente, ninguém se tem recusado a vacinar-se, sendo muito provável que com as acertadas providências tomadas pelo doutor prefeito, a varíola se vier a aparecer, não, permanecerá por aqui por muito tempo”.