Sabe aquela dificuldade para encontrar a palavra precisa para o que precisa ser dito? A esse respeito, entre irônico e brincalhão, eu costumo dizer a meus alunos:
Nossa língua possui mais de 300 mil palavras! Como é que a gente não encontra uma ou duas para dizer o que a gente quer dizer?
Brincadeiras à parte, é preciso admitir: em algumas ocasiões, as palavras desaparecem mesmo. E nem sempre isso está relacionado a vocabulário restrito ou a uma inabilidade discursiva.
Recordemos o que aconteceu com Bentinho logo após o primeiro beijo que o jovem trocou com sua amada Capitu: “[…] chamei algumas palavras cá de dentro, e elas acudiram de pronto, mas de atropelo, e encheram-me a boca sem poder sair nenhuma. O beijo de Capitu fechava-me os lábios. Uma exclamação, um simples artigo, por mais que investissem com força, não logravam romper de dentro….”.
Ah, o amor – “território de beijos e vulcões”, como diria Neruda!
Por falar em amor, sabemos que há momentos em que as palavras não são essenciais. Como explica Lulu Santos em “Certas coisas”, “tudo o que cala fala mais alto ao coração…”. Essa premissa nos lembra que existe uma compreensão – ou confissão – tácita no silêncio dos amantes, não é mesmo?
Identifico tal fenômeno no poema “Interlúdio”, de Cecília Meireles: “As palavras estão muito ditas e o mundo muito pensado. Fico ao teu lado (…) Não fales, não me expliques o presente, pois é tudo demasiado. (…) Fico ao teu lado”. Falar para quê?
Todavia, a despeito das situações descritas anteriormente, nas quais as palavras, por um motivo ou outro, não se materializam, há circunstâncias em que a escrita se impõe como exigência – numa prova de redação, por exemplo -, e, nesse contexto, não temos escapatória: torna-se necessária a busca pelas palavras exatas a fim de que o nosso discurso fique suficientemente claro e convincente.
Sobre os desafios relacionados a esse anseio, o de se exprimir com exatidão e clareza, é válido citar ideias de dois autores distintos.
Nos versos de “A palavra mágica”, Carlos Drummond de Andrade diz que “a vida inteira no mundo todo” procurará determinada palavra que “dorme na sombra de um livro raro”, acrescentando que ela é “a senha” da vida e do mundo. No poema “Procura da poesia”, ele orienta e revela: “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra…”.
Tal revelação sobre o caráter multifacetado de nosso léxico nos leva a uma reflexão da novelista Lícia Manzo. Entrevistada no programa “Ofício em Cena”, da Globonews, a autora de novelas como “A vida da gente” e “Sete vidas” – ambas grandes sucessos de crítica e de público – declarou que seu texto é resultado de um acurado exercício de escolha vocabular com foco na precisão e na clareza da fala das personagens. Para ela, “a palavra precisa é um peixe que prateia na água”, ou seja, se você se descuidar, ela pode desaparecer para sempre.
Portanto, encontrar a palavra precisa exige preparo e cuidado – o que demanda tempo e paciência. Tempo e paciência para quê? Para ler, querido leitor, ler. E isso deve ser feito com calma e cuidado, fechando-se, assim, o ciclo de preparo para o enfrentamento dessa dificuldade tão presente na vida da gente: a de encontrar palavras que transmitam perfeitamente o que a gente pensa, percebe e sente.
Um texto com as palavras certas é tão poderoso que imprime gentileza à língua que o comunica – porque ele esclarece e não confunde, aplaca e não aflige, principia e não finda.