
ocupa a cadeira nº 30
da APL – Academia
Pindamonhangabense
de Letra
De vez em quando passeio pelas ruelas da cidadezinha onde o tempo não tem mais importância. Prefiro as primeiras horas, quando o silêncio é interrompido somente pelos murmúrios do vento e pelos pássaros secretos.
Geralmente, vou a esse lugar quando a vaidade traça estratégias para me dominar. Ontem, estive lá para reavivar o que aprendi no berço, e me precaver observando exemplos dos moradores daquele lugar.
Mas, antes de entrar, peço permissão para caminhar pelas alamedas e me deter diante das moradias. Foi o que fiz ontem; e caminhei passos miúdos, reverenciando cada morador com breve flexão da cabeça.
Logo na primeira esquina está a construção que, apesar de suntuosa, vive implorando por restauros. Ela pertence ao homem de riqueza amealhada por meios ilícitos. O jardim que a circunda é estéril.
Pelo que ouvi dizer, o proprietário era um homem de mil mulheres, que empinava o nariz e vilipendiava o povo, exibindo correntes de ouro penduradas no pescoço. Faliu.
Descendo pela alameda leste, está a morada da moça que propagandeava o corpo com trajes minúsculos, usando a sensualidade para capturar milionários de carne fraca. Autodeclarava-se mulher perfeita, cuja beleza não possuía concorrentes. Porém, a vida desregrada e o uso de entorpecentes anteciparam-lhe a velhice. Nem mesmo cirurgias estéticas a consertaram.
O imóvel dela também possui jardim: abandonado, com flores artificiais, deterioradas, envelhecidas.
Ontem, durante o período em que lá estive, chegaram mais pessoas. Mãe e filho foram para a alameda norte, enquanto o empresário arrogante se estabeleceu na alameda sul. A população da cidadezinha não para de crescer.
Noutra alameda está a morada mais simples e mais bela. Ela possui um jardim com roseirais imorredouros, onde passarinhos se reúnem para melodiar.
Nela está alguém de coração gentil, amoroso, avesso às beligerâncias; alguém que organizou palavras com doçura, que as metrificou e rimou; e também as deixou livres de regras para que se transformassem em versos preciosos.
Nela mora Ernesto, o Poeta esquecido, que viveu a vida sem nenhuma vaidade.