Eu aprecio a arte, mas somente a verdadeira arte: aquela que enleva a alma; jamais os grunhidos, rabiscos e todas as rebeldias sem qualidade, classificadas como se fossem obras de alguma relevância. Nunca serão!
Já frequentei várias pinacotecas e, em nenhuma delas encontrei imagem tão sublime e surpreendente como a que vi na galeria da vida:
O sorriso dela é a obra-prima mais delicada de um semblante humano; é a luz para que ninguém suspeite dos fardos que carrega. Apenas quem tem o coração perspicaz consegue ler, nos olhos dela, os resquícios de desventuras.
É preciso mirá-la com os olhos da alma para perceber que, por receio de se machucar outra vez, ela enrijeceu o coração. A autodefesa, no entanto, desautoriza a vida de lhe restaurar a confiança, o que é compreensível, pois está cansada das aproximações ardilosas.
As agressões que sofrera foram tão severas que não acredita mais na reciprocidade de uma saudável relação afetiva. Como se isso não bastasse, as experiências danosas tornaram-na desconfiada e resistente em receber qualquer tipo de gentileza. É-lhe doloroso compreender que o tempo sutura as chagas, mas não remove a assinatura de quem as causou.
Às vezes, ela retorna à tenra idade, quando brotou o seu amor pela arte mais sublime, aquela que não necessita ser traduzida; foi nela que encontrou, no canto do rouxinol, o lenitivo para a alma.
Ninguém nunca soube que, durante as madrugadas, ela abria a janela, orava, e contava à lua os seus segredos, sem receio de ser julgada pelas cachoeiras nos olhos. Se não estivesse alicerçada em Deus, já teria ruído há muito tempo.
As considerações que faço, referem-se ao quadro de uma camponesa de pés descalços, sentada num banco de jardim na montanha. Em sua cabeça de cachos dourados há uma guirlanda de flores colhidas no céu. O vestido dela é delicado, diáfano, e da cor da paz.
Ela flauteia em dueto com o rouxinol pousado em seus ombros, cadenciando borboletas bailarinas. Ao fundo, há uma casinha construída com ternura, de cortinas da cor do céu que decoram a janela onde a lua se debruça. E ao lado, o deslumbrante arbusto de dama da noite, plantado pelo avô, perfuma a cena bucólica.
Ah! Como eu queria pertencer a essa tela renascentista, para enxugar a lágrima atrevida que se pendura no canto dos olhos da mulher angelical. Impossível? Não! Somente preciso da autorização do pintor, o Maior entre todos. Quem é Ele? Ele é Deus!