Escrevemos nossas histórias todos os dias. Sempre acreditei que, a despeito de todas as circunstâncias, cada indivíduo é autor da vida que tem vivido neste mundo, e a certeza dessa autoria evidencia outra, que ocupará o centro desta conversa: se cada um escreve sua história, todos nós somos… escritores.
A diferença é que alguns decidem fazer isso literalmente, transformando fatos e ações em palavras, enquanto outros, a maioria, preferem ocupar-se simplesmente da vida e seus afazeres. Ambas as escolhas são legítimas.
Na verdade, quero falar de um incômodo que experimento quando ouço dizerem que o artista da palavra tem uma visão privilegiada acerca do mundo, da vida, do ser humano, de tudo, o que o coloca acima de seus semelhantes. Ainda que a obra magistral de tantos escritores e poetas nos impressione e emocione, isso não os isola no Olimpo da Sensibilidade e da Genialidade.
O que temos, de início, é a escolha que um autor faz de escrever sobre o que viu e sentiu; em seguida, o método e a disciplina para trabalhar a forma e o conteúdo, ou seja, a disposição para explorar recursos oferecidos pela linguagem e pelo idioma; devemos considerar também o desejo dele de compartilhar com o outro ideias e informações – para muitos autores, inclusive, esse desejo se impõe como uma necessidade, só satisfeita quando a escrita acontece.
Necessidade, desejo, trabalho, escolha – a literatura é isso. E aquele que não se curvou a tais contingências, optando pela escrita encarnada no dia a dia, não é menor do que Cervantes, Proust, Pessoa, Drummond… Embora possa aprender muito com eles, os quais aprenderam com toda a gente do mundo.
Fico pensando no que pode estar passando pela cabeça do meu leitor agora. “O que pretende este colunista com essa ladainha? Igualar pessoas que não escrevem a gênios da nossa literatura? Insinuar que esses gênios não fazem nada de excepcional? Que somos uns deslumbrados? Que alguns autores se acham? Ou essa conversa toda não passa de falsa modéstia?”
É muito simples responder a todas essas questões. Para isso, preciso antes dizer que o educador que vive em mim costuma pautar todas as minhas ações e, claro, meu modo de pensar – é o que tenho percebido com o passar dos anos (detalhe: desde a minha infância).
Explico: ao destacar que todos são capazes de escrever (basta querer e se aplicar), universalizo a possibilidade, fomento o aprendizado, ressignifico o mundo! Não como uma artimanha, um exercício estratégico ou uma atividade meramente pedagógica, mas como compartilhamento de uma certeza fundamentada na minha experiência de aluno, poeta, jornalista, romancista, professor de Redação, revisor de textos, autor de literatura juvenil selecionado pelo MEC, colunista deste jornal (coloquei na ordem em que tudo foi acontecendo na minha vida).
Assim, todo aquele que deseja escrever pode escrever, pois os principais recursos já estão nele: o desejo, a percepção, a sensibilidade (se não fosse assim, a literatura não tocaria nenhum leitor); e o recurso que faltar pode ser suprido com estudo, reflexão, leitura, dedicação, treino, revisão, reescrita.
Só para confirmar o que estou dizendo, evoco, finalmente, “Os poemas”, de Mario Quintana. Num exercício de metalinguagem pura, Quintana diz: “Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês”; quando você fecha o livro, conta o autor, os pássaros levantam voo; isso, depois de terem comido ali, em suas mãos. “E olhas, então, essas tuas mãos vazias no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti…”.
A escrita é a simples – e maravilhosa – reprodução da vida que existe em nós!