Adão estava com o corpo ensaboado e a cabeleira coberta de shampoo quando ouviu a campainha tocar. Din-don! Desligou o chuveiro e esperou a confirmação do toque. Din-don! Enrolou a toalha na cintura, calçou os chinelos e marchou até a porta. Abriu a janelinha.
— Boa noite. Em que posso ajudá-lo?
O motoqueiro apenas agitou a caixa. Adão não estava esperando nenhuma encomenda. Ou será que estava? A memória não era mais a mesma desde que as preocupações financeiras assumiram os seus pensamentos.
Coberto de incerteza e regido pela curiosidade, girou a chave, abriu a porta, espiou o motoqueiro abandonar a caixa na calçada, ligar a motocicleta e ir embora. Adão pensou em voltar para terminar o banho; mas, e se alguém levasse a caixa embora?
Após se certificar de que a rua estava desabitada, abriu o portão e se aproximou da embalagem. Sem tocá-la, procurou alguma identificação, e não encontrou. Então, decidiu levá-la para dentro de casa. Ao pegá-la, ouviu rosnados. De soslaio viu o pastor alemão do vizinho em frente ao seu portão. Era a terceira vez na semana que o bicho escapava. Adão sabia que qualquer gesto brusco açularia a fera. Precisava pensar em alguma maneira de escapar daquela situação. Entre as possibilidades, a menos arriscada era escalar a sibipiruna na calçada.
Deu alguns passos em câmera lenta, mas correu quando o animal disparou latindo em sua direção. Graças ao bom preparo físico, conseguiu escalar, ileso, a árvore. Porém, houve um prejuízo: a toalha ficou nos dentes do cão. Na árvore, procurou o galho mais frondoso para camuflar a nudez. Entre latidos e rosnados, o cão arranhava o tronco da árvore. Adão suava nervosismo. O bicho só foi embora, levando a toalha entre os dentes, quando ouviu o assovio do dono. Adão pensou em descer. Mas não desceu. O motoqueiro havia voltado.
— Cambada de incompetente! Anotam o endereço errado e eu é que me explodo! A sorte deles é que a encomenda continua aqui. Sem parar de resmungar, colocou a caixa no baú da moto e saiu queimando pneu.
Finalmente, Adão poderia descer. Mas não desceu. Em vez disso, se acocorou num galho porque o casal parou debaixo da árvore. “Tomara que não olhem para cima”.
— Mê dá um beijinho, meu amor – Implorou a mulher. O homem a deitou nos braços, como nos filmes hollywoodianos, e, no instante do beijo ele a interrompeu:
— Espera, amor. Tem uma jaca lá em cima. E eu adoro jaca.
— Jaca? Onde?
— Lá. Naquele galho. Apanha pra mim?
Ele olhou, analisou, desconfiou.
— Tem certeza de que aquilo é uma jaca?
— Certeza absoluta.
— Então, tá. Vou buscar um bambu.