
Na malha ferroviária do Brasil, a Estrada de Ferro Campos do Jordão, a nossa “Estradinha”, guarda um propósito inicial muito diferenciado em relação às outras: foi idealizada pelos médicos sanitaristas Dr. Emílio Ribas e Dr. Victor Godinho para oferecer transporte mais rápido e eficiente aos pacientes de tuberculose a fim de que se tratassem no clima propício de Campos do Jordão.
Tão logo autorizada pelo Governo de Estado – Lei n. 1265 A, de 28 de outubro de 1911 –, foi constituída a “Sociedade Anonyma Estrada de Ferro Campos do Jordão”, que contratou o empreiteiro Sebastião de Oliveira Damas, que entregou a obra concluída no tempo recorde de oito meses – e com toda a solidez!
O magistral Athayde Marcondes, em sua obra “Pindamonhangaba através de dois e meio séculos” (1919), registrou não só o engenhoso traçado da “Estradinha” bem como a sua funcionalidade para o transporte de passageiros e o escoamento de produtos agrícolas das terras altas da Mantiqueira até a Estrada de Ferro Central do Brasil:
“De Pindamonhangaba à Villa Jaguaribe, a estrada conta com quarenta e sete kilometros e passa sobre o Parayba em uma ponte solidamente construída, de 160 metros de comprimento, sobre quatro pilastras de cantaria lavrada, muito bem acabadas. Até quasi a encosta da Serra contam-se três pontes sobre o rio Piracuama, tendo uma 30 metros de vão e duas 16 metros. A serra da Mantiqueira é galgada com rampas de 10% sem tuneis mas com enormes cortes e aterros, com os respectivos muros para arrima-los. O trafego provisório da Estrada é feito com três machinas a vapor, 2 automoveis montados sobre os trilhos e 30 vagões”.
“Os passageiros que transitam pela E. F. Campos do Jordão ficam encantados pelo panorama que observam à proporção que o trem vae galgando o Alto da Serra, onde há uma estação, de cujo ponto a vista perde-se em deslumbrantes paisagens que se destacam na Serra, na várzea e no formoso valle de Parayba. (…) Já as regiões encantadoras dos Campos começam a ser atravessadas pela Estrada, innumeros pinheiros ornamentam aquellas matas e aquelles campos verdejantes e floridos”.
“A Estrada atravessa uma zona cafeeira, cujas terras são excelentes. A exportação de toda a zona que vem de São Bento e a do Sul de Minas constam de café, fumo, arroz, cereais, gado vacum, suíno, passam pela Estrada de Ferro Campos do Jordão para ser despachada na Central com destino a S. Paulo e Rio de Janeiro”.
Das primeiras décadas da histórica Estrada de Ferro Campos do Jordão, depreende-se também a relevância da “Estradinha” para o escoamento de produtos agrícolas da Mantiqueira para os grandes centros urbanos. Com os avanços na área da saúde e as demais transformações industriais, gradativamente, esse transporte foi sendo realizado por veículos automotivos, favorecendo o uso da ferrovia para o setor turístico.
Por décadas, os trilhos da estrada de ferro que ligam Pindamonhangaba a Campos do Jordão propiciaram o transporte de passageiros à zona rural da Princesa do Norte do entorno de suas estações e, também, passeios no Bonde Turístico e na Maria Fumaça. Os bondes amarelos e vermelhos, há muito integrados à paisagem urbana de Campos, ligam a Estação Emílio Ribas ao portal da cidade, passando pelas estações Jaguaribe, Abernéssia e Capivari.
É possível ouvir seus apitos? Atualmente, é só esse trecho que está salvo dos vândalos que furtam fios, depredam as estações e os trilhos da linha férrea de um dos ícones da história ferroviária no Estado de São Paulo, inaugurada em 1914.
A “Estradinha”, que é pequena em quilômetros e gigante nos desafios vencidos e outros por vencer – sua paralisação, por exemplo –, clama pelo fortalecimento de sua infraestrutura, de um olhar futuro renovado, mas guardando o seu passado histórico – rememorado por uma ilustre passageira, a escritora Eloyna Salgado Ribeiro, que guardou na sua caixinha de memórias essa poética lembrança da centenária Estrada de Ferro Campos do Jordão:
“O comboio vai saindo: tataque, tataque, tataque, tataque, tataque… As pessoas vão deixando a estação. Sem pressa. Algumas levam o que vieram buscar: a dose semanal de sonhos de viagem, de vida agitada nas grandes cidades que estão nas pontas dos trilhos; alegrias, esperanças, até maçãs… Outras voltam sós. Desiludidas, seus sonhos se desfazendo como a fumaça do trem, lá longe…”.