
Diretor, dramaturgo, ator,
poeta, contista, letrista.
Membro titular e ex-Presidente da
Academia Pindamonhangabense
de Letras
Era 24.03.1993 quando começamos a nossa jornada. Ainda dá para sentir de forma vigorosa o sopro daquela brisa que arejava aqueles momentos; aquele prenúncio de mudanças tão intensas em nossas vidas.
“A Barca”, mais que um espetáculo teatral, foi um evento. Além de influenciar os mais novos a abraçar o fazer teatral, influenciou, também, no interesse e desenvolvimento de um novo público.
Quando iniciamos, o Quim, o diretor, definiu algumas funções: Marcelo, Diretor de Criação, Alex Martins, Direção Coreográfica, Alberto e Glaucia Coordenadores do Texto e o grupo em “Elenco Âncora” e “Elenco de Apoio”.
Em 08.08.1994 o diretor, por problemas pessoais, desistiu do trabalho e o substituímos pelo Marcelo Dênny.
Definimos junto com o Marcelo o cronograma e a concepção do trabalho. O levantamento iconográfico destacava pinturas medievais e renascentistas, especialmente Bruegel, Bosch, gravuras da Divina Comédia, figuras de temas religiosos enfocando o Bem e o Mal; o material literário (texto, poesia), filmes e músicas, utilizamos em jogos de improvisação; juntamos materiais alternativos como carpetes, tecidos, tampas, jutas, couros e outros, selecionando-os com vistas à produção do figurino inspirado em cineastas contemporâneos com forte poder estilístico como Fellini, Peter Greenaway, Ridley Scott e Coppola.
Numa lona retangular doada, realizamos pinturas estilizadas de mapas náuticos, formas circulares e um sol típico dos mapas medievais onde definia-se o espaço cênico e a marcação da movimentação das personagens num desfile em volta do sol como se os atores fossem planetas girando em torno de si próprios e desse sol.
Na música, movimento, palavras buscou-se, permanentemente, o lirismo no choque do novo com o antigo e as tônicas iam sendo reforçadas com efeito ora sonoro, ora pirotécnico.
O visual com aspecto sujo e esfarrapado, a maquiagem de forma borrada, retratavam a degradação física e moral das personagens.
O texto escrito por Gil Vicente é um desfile de figuras que, num julgamento, debatem com o Anjo e o Diabo, todos buscando o direito de ir para o Céu, mas poucos o conseguem.
As cenas ocorrendo entre duas arquibancadas, uma de frente para a outra, propiciava uma intensa interação entre ator/atriz e público.
A BARCA DO INFERNO
Em 07.12.94, uma quarta-feira, na antiga Cerâmica Santa Laura, no Mandú, que estava desativada, o espetáculo estreou para um público de 150 convidados.
O transporte desse público da estação ferroviária da E.F.C.J. até o espaço cênico, aconteceu através de um trem. Essa viagem significava a passagem da vida para a morte.
A utilização incomum do trem para um local incomum de apresentação tornou-se um diferencial em relação aos espetáculos usuais, o que motivou um interesse especial do público.
Da Estação Cerâmica, ponto de chegada, ao local da apresentação, o caminho era percorrido por subidas íngremes e caminhos poeirentos margeados por dezenas de tochas acesas.
O espaço da cerâmica com suas máquinas em desuso, seus restos de produção rejeitada e amplos espaços vazios foram tomados e transformados em espaço cênico: fornos queimadores de tijolos foram transmutados em oratórios; corredores secadores de material cerâmico, em túneis; prensas e correias transportadoras, em suportes para velas e outros elementos rústicos de iluminação…
Durante esse percurso que segue para o interior da cerâmica, o público depara com personagens que vagueiam desnorteadas pelos caminhos. São figuras que assombram, expondo o sofrimento de suas almas atormentadas; são figuras da morte, de carpideiras, torturado suspenso pelos pés, noivas angustiadas; são os espectros presentes no imaginário popular.
Eis que, então, no interior do espaço onde as duas barcas com seus respectivos arrais aguardam seus passageiros, o público se acomoda para assistir ao confronto das almas.
Bem, a trajetória do espetáculo, com seu enorme sucesso e surpresas, pretendemos contar na próxima matéria.