
Há 58 anos a iniciativa ‘franciscana’ de um vereador aposentava os animais pertencentes à prefeitura já sem condições de puxar a carroça de lixo
Nossa página dedicada a resgatar, cultuar e relembrar fatos e feitos que ficaram registrados nas históricas reminiscências da Pindamonhangaba aborda nesta edição um acontecimento ocorrido já na segunda metade do século passado.
Cinquenta e oito anos nos separam da polêmica “Lei dos Burros”, que alcançou repercussão nacional. Publicada na edição de 18/6/1967 do jornal Tribuna do Norte, a Lei nº 884 de 30/5/1967, promulgada pelo prefeito Dr. Francisco Romano de Oliveira, teve sua origem num projeto do vereador Aníbal Leite de Abreu e dispunha sobre “a destinação dos animais inservíveis da Prefeitura”.
Nascido em Pindamonhangaba em 14 de novembro de 1921, filho de Benedito Leite de Abreu e de Maria Benedita da Silva Abreu. Em Pindamonhangaba cursou o Grupo Escolar na escola Dr. Alfredo Pujol e formou-se no antigo Ginásio Municipal. Residiu por algum tempo em Mirassol-SP, onde trabalhou no comércio e fez curso de aviação civil, obtendo o breve pelo Aéreo Clube daquela cidade.
Regressando a sua terra natal deu início a uma trajetória de vitórias e conquistas, iniciando como pequeno produtor de leite e depois trabalhando na Companhia Internacional de Capitalização, onde se destacou na função de inspetor de produção e inspetor geral.
Foi atuante membro da doutrina de Allan Kardec, sendo fundador, ao lado de outros companheiros, do albergue Padre Zabeu e Centro Espírita Irmã Terezinha, entidades que deram origem ao atual Lar Irmã Terezinha. Outras de suas contribuições para a propagação da doutrina espírita em Pindamonhangaba foram: fundação de um informativo mensal chamado “A 3ª Revelação”; fundação do movimento jovem Jeová (Juventude Espírita Obreiros da Verdade e do Amor) destinado a campanhas de arrecadação de alimentos para o atendimento a famílias necessitadas; fundação do Lar das Crianças Irmã Júlia; fundação do centro espírita Dr. Bezerra de Menezes.
Foi comerciante (ramo de panificação); colaborador dos jornais 7 Dias e Tribuna do Norte e lançou a revista Tur-Pin (incentivava o turismo local); foi vereador por quatro gestões.
Sua atuação foi imprescindível na fundação de diversas entidades: a primeira Associação Comercial de Pindamonhangaba; CBR (Centro Beneficente de Reabilitação) atual Apae (associação de Pais e Amigos dos Excepcionais).
Naquele tempo o recolhimento do lixo residencial era feito em carroças puxadas por burros e cavalos pertencentes à municipalidade. A partir da publicação daquela lei “os animais muares ou equinos de propriedade da Prefeitura” que devido à idade avançada ou acidente se tornassem “imprestáveis ao serviço público”, não seriam mais “em hipótese alguma” vendidos.
O porquê da resolução favorável aos animais era assim divulgado no artigo 2º da tal lei: “A Prefeitura Municipal, num ato de justiça e de humanidade para com tais animais, removerá os mesmos para a Fazenda da Represa (atual parque do Trabiju), de sua propriedade, onde ficarão soltos e passarão o resto de sua vida”.
Ao discorrer sobre Anibal Leite em Biografias (Mystic Editora, Campinas – SP, 2001), Francisco Piorino Filho cita a lei e conta que antes de sua promulgação os muares da Prefeitura, “tornando-se inservíveis, depois de longos anos de serviços, seriam destinados a frigoríficos da região para abate”.
Aplausos e escárnio
A grandeza da atitude de Anibal Leite motivou, ao mesmo tempo, aplausos e zombaria. Houve quem encontrasse naquele ato, oportunidade para comentários jocosos, para a gozação.
Felizmente a incandescência do nobre feito acabou por ofuscar de vez o gargalhar daqueles que ainda não compreendiam a grandeza de tal iniciativa. Eis que manifestos em favor à medida começaram a se avolumar nas correspondências endereçadas à Prefeitura. Era um grande número de telegramas, ofícios, cartas e mensagens elogiando a “Lei dos Burros”, procedentes de todo o Brasil.
A Lei nº 884 recebeu apoio de entidades e de inúmeras pessoas. Entre estas o jornalista Théo Gigas – correspondente da World Federation for the Protection of Animals que, em 1981, na fusão com a International Society for the Protections of Animals resultou no surgimento da WSPA’s – World Society for the Protection of Animal; A União Intermunicipal Protetora dos Animais; a Associação Protetora dos Animais do Rio de Janeiro; o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo; a revista Mundo Agrícola; o Dr. Félix Bulcão Ribas (filho do ilustre Dr. Emílio Ribas).
Também foram inúmeros os elogios ao feito, destacando-se uma referência curiosa de autoria do Dr. Romeiro Neto (neto do fundador do jornal Tribuna do Norte) naquela ocasião, Ministro do Superior Tribunal Militar: “O burro é realmente digno de todas as atenções, ele que foi um injustiçado, pois além de estigmatizado pela natureza que o fez estéril não lhe permitindo ter filhos e gozar do encanto dos netos na sua aposentadoria, empresta o seu nome para distinguir os homens sem inteligência.”
O fim das carroças
Seis anos depois, na administração do Dr. Caio Gomes Figueiredo, a Prefeitura colocaria um ponto final na utilização de animais na coleta de lixo.
No dia 8 de janeiro de 1973, tanto o lixo de procedência doméstica quanto o de origem industrial passaram a ser recolhidos em caminhões e por uma firma especializada, a coletora vencedora da concorrência pública aberta para a execução de tal serviço.
Em notícia publicada em sua edição de 6/1/1973, a Tribuna do Norte desejava àquela coletora que passava a atender o município de Pindamonhangaba “pleno sucesso em suas atividades” fazendo alusão ao slogan: “Povo limpo é povo civilizado”, lançado pelo Governo Federal da época.