
Escritora, poetisa e
membro da
APL – Academia
Pindamonhangabense
de Letras
A mineira de Alvinópolis aportou em Lorena nos idos de 1971. Na cidade das “palmeiras imperiais”, cursou Letras e Biblioteconomia. O amor aos livros já estava impresso nessas escolhas e, ao longo de sua vida, cultivou profunda amizade com Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Balzac, Victor Hugo, Cervantes, Dostoievski, dentre outros escritores que, ao serem lidos e relidos, repertoriavam a escritora que estava adormecida na jovem professora e bibliotecária Maria de Lourdes Camelo!

Em 1976, ela participou do Concurso Literário da Johnson & Johnson, e, para sua surpresa, seu conto “A venda” conquistou o 1º Lugar do certame, tendo sido avaliado por um dos imortais da Academia Brasileira de Letras: Ignacio de Loyola Brandão!
A beleza dessa narrativa, muito mais do que as lembranças da antiga venda de seu avô, é o modo como a autora encontrou de seduzir o leitor: evoca as lembranças das vendas que frequentávamos; os cheiros da pinga e do fumo de rolo ali comercializados; os homens que vinham de longe com seus cavalos e, muitas vezes, aproveitavam a oportunidade para barganhá-los; as modinhas de viola tocadas de quando em vez; a luz dos lampiões ou das lamparinas… “Era fascinante ver aqueles homens iluminados pelas lamparinas. Suas testas ficavam milagrosamente vermelhas e brilhantes. Os olhos, antes embaçados, de repente, brilhavam como duas estrelas, graças ao poderoso efeito da cachaça.”
Esse célebre texto só viria a ser publicado quatro décadas depois, no livro “Comunhão” (Grupo Editorial Scortecci, 2017) em que, em parceria com seu companheiro de vida e de literatura – Getulino do Espírito Santo Maciel -, reuniu outros contos de sua autoria e, também, dele.
Em 2021, foi a vez de “Os Moradores da Rua da Ponte” (Editora Casa) vir à luz, com personagens reais de sua cidade natal, e, antes que o fio da memória pudesse se romper, Maria de Lourdes eternizou, com delicadeza e sensibilidade, as histórias de homens e de mulheres com quem ela conviveu e que, de algum modo, marcaram sua vida: Olímpia, Talita, Ema, Hermógenes, Lucrécia, Promotor, Seu Nonô, Dona Santina, Seu José Ferreiro, Seu Canjica, S’Alzira, Dona Bila e Maria Pingo D’Água.
Na apresentação da obra, conta-nos o que motivou sua “escrevivência”, sua escrita a partir das experiências pessoais: “Num passado recente, pensei que fosse perder a memória. Escapava-me sempre o alinhavo essencial. Apenas lampejos indicavam que algo insistia em emergir do marasmo cotidiano. Foi então que me apropriei dessa experiência de cinquenta anos atrás e refugiei-me, gradativamente, num exílio voluntário, como salvação. Este relato representa um despertar solitário que, tímido, aquieta meu coração. Tudo me pertence, penso às vezes: a rua, a ponte que estremecia ao peso das rodas, o ribeirão calmo e transparente ladeado por plantinhas miúdas que dançavam um balé constante, o silêncio da alma, as badaladas que o sino da matriz trazia pela vibração, a poeira em rodopio ensaiando voos e os moradores tão singelos e perenes renascendo em minha memória.”
Memória e (re)invenção têm sido o mote literário de Maria de Lourdes Camelo. Sensibilizada por um inesquecível acontecimento vislumbrado nos arredores do Mercado Central de Santiago do Chile, a autora congelou aquela cena, buscou inspiração em outras histórias e, num átimo, escreveu “Levanta-te, ó menina!” (Grupo Editorial Scortecci, 2025), uma novela encantadora na qual desfilam, em suas linhas e entrelinhas, ternura, compaixão, quedas e esperanças para alegria do mundo das artes e das emoções.
Confesso que os livros de Maria de Lourdes Camelo ocupam lugar de honra em minha biblioteca, pela sublime tessitura narrativa e, sobretudo, pela mágica neles impressa: quem os escreveu têm mãos de fada, coração de poeta e uma mina de amor “escondida entre avencas, folhagens, taboas e lágrimas de Nossa Senhora”.