
ocupa a cadeira nº 30
da APL – Academia
Pindamonhangabense
de Letra
Férias de julho. A mulher havia viajado com as crianças. Ele, diretor de multinacional, iria depois da reunião marcada para as 9h daquele dia.
Acordou às 5h e, para preencher o tempo, foi bisbilhotar o closet da mulher. Pacientemente, contou 92 pares de sapato, 85 bolsas, 58 chapéus, infinidade de cintos, colares, anéis e peças íntimas. Demorou-se mais no espaço destinado às roupas. Enquanto seus dedos passeavam pelos tecidos, lembrou-se de que, quando criança, desejava atuar nos teatrinhos da escola, mas era preterido até para compor elencos.
O vestido de tubinho vermelho com zíper nas costas reativou o desejo de infância. Acreditava ser capaz de interpretar vários personagens, inclusive, os femininos. Empolgado, despiu-se, amarrou barbante no puxador do zíper e se enfiou no vestido de tubinho. Ao movimentar o barbante, o puxador emperrou na altura da cervical. A ação mais brusca para fechar o vestido arrebentou o puxador. Sabendo que precisaria de alguém para ajudá-lo a tirar aquela roupa, quase entrou em pânico. Respirou profundamente por alguns segundos e se acalmou. Olhou-se no espelho e pensou: “Por que não?”.
Escolheu brincos, bolsa e colar que combinavam com o vestido, e chapéu para esconder a calvície. Antes de maquiar-se, depilou as pernas com lâmina de barbear. Feriu-se. Esparadrapou-se. Escondeu as olheiras com óculos escuros. Bebeu uma dose de uísque e incorporou a personagem. A primeira dificuldade foi se equilibrar no salto alto. Caminhou igualzinho seriema manca.
Chegou atrasado. Ao abrir a porta da sala da reunião, foi invadido pelos olhares dos colegas gestores. Ajeitou os ombros, encheu o peito e arriscou um meio-soprano, desafinado.
— Bom dia, cavalheiros. Peço que desconsiderem o meu pequeno atraso. Estou aqui representando o senhor WX, cuja rebeldia intestinal obriga-o à reclusão domiciliar. Ele me incumbiu de trazer a contribuição dele para a nova diretriz da empresa, e poderei explaná-la assim que o desejarem.
Alguns gestores sofrearam o riso. Um deles socou a mesa.
— Que palhaçada é essa?
O diretor, exigindo ordem, prosseguiu nos trabalhos sem considerar o espetáculo. As propostas de WX foram explanadas e aprovadas por unanimidade.
Reunião conclusa, os gestores deixaram a sala. No elevador dois deles se encontraram.
— Parabéns, WX. Sua atuação foi digna de um Oscar.
— O senhor está enganado. Não sou WX. Sou apenas a secretária dele.
— Deixa disso, WX. Você não enganou ninguém.
— Como assim?
— Você foi quase perfeito. O traje, a maquiagem, a voz… Mas, você se esqueceu de um detalhe muito importante.
— Esqueci? Qual?
— O bigode.